Comportamento

Ser alguém na vida?

Nós costumamos esquecer, mas todo mundo é importante. São as medidas dessa importância que por vezes são confusas. Os valores que constituem essa mensura subjetiva misturam significados, sentidos e afetos muito diferentes.

Nós acreditamos que podemos ser importantes para alguém, para as amizades, para a família, para a parceria, mas nem sempre basta. Tendemos a crer que precisamos da aprovação de outras pessoas, de círculos maiores e ainda há dias em que é possível duvidar.

Por vezes é um misto de necessidade de atenção, medo da solidão e anseio por reconhecimento; outras vezes é a crença de que precisamos deter um lugar de autoridade para sermos “alguém na vida”. Tudo perante um temor profundo de não sermos ninguém.

Títulos, fama, grana, influência. Segundo tais valores, absorvidos sob uma lógica quase que empresarial, vivemos como se, de alguma forma, fosse possível não ser alguém. Você se torna “alguém” determinado pelo reconhecimento de quem crê nestas camadas de distinção entre “pessoas” e pessoas. Quando cogitamos romper com a lógica hegemônica, nos desencaixamos do todo, tememos a desconexão com os outros e o isolamento.

É como se houvesse algo de vergonhoso nisso. Por isso, acabamos por reforçar seus valores o tempo todo. Nas redes sociais, mostramos vidas perfeitas, teatralizadas, permeadas por uma suposta positividade, uma estética padronizada, ostentação financeira, utilitarismo e pouquíssima demonstração de vulnerabilidade.

Tudo aquilo que nos aproxima, humaniza e promove empatia parece oposto ao lugar de autoridade de “alguém na vida”. É possível que “ser alguém na vida” seja, de alguma maneira, algo semelhante a não ser gente.

Nós chamamos tudo isso de “ser alguém na vida”, mas não deveríamos. Saber quem se é, compreender porque chegou até aqui e decidir para onde se quer caminhar é fundamental para tomarmos o sentido dessa pessoa que queremos ser. Terapia e outras práticas terapêuticas ajudam muito nesse processo, pois promovem práticas de reconhecimento de si e do outro. Chamamos essa incrível habilidade emocional de empatia.

E pra você? O que é “ser alguém na vida”?

Rennan Cantuária é cientista social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

BBB e a crueldade cotidiana

No BBB, as agressões contra Lucas Penteado articulam uma série de violências que estruturam nossa sociedade, com destaque para o racismo, o capacitismo e o punitivismo. Nesta lógica, o indivíduo que não se adequa às normas e aos padrões da sociedade deve ser punido e excluído.

A situação torna-se explícita diante da contradição de gente que se mostra crítica aos padrões socialmente impostos, mas situações semelhantes ocorrem na rua, na escola, no trabalho, na família e em outros círculos sociais a todo o tempo.

O punitivismo não opera contra o crime, mas determina quem será o criminoso e o desumaniza. Assim, aqueles que não seguem as regras, os fora dos padrões, são tachados de “loucos”, “criminosos”, não servem e, por isso, são desumanizados, condenados à exclusão social, à tortura e à morte.

Desta maneira, o punitivismo também reforça o lugar do justiceiro e a lógica do justiçamento, isto é, do se fazer justiça pelas próprias mãos. Como se não fosse o bastante, ele também estabelece o detentor do poder naquela relação, reforçando os estigmas de quem “não serve” e os padrões do grupo dominante.

O BBB dá uma amostra de um dos traços mais cruéis que estruturam a cultura ocidental no decorrer da história.

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.