Estilo de vida

Ser alguém na vida?

Nós costumamos esquecer, mas todo mundo é importante. São as medidas dessa importância que por vezes são confusas. Os valores que constituem essa mensura subjetiva misturam significados, sentidos e afetos muito diferentes.

Nós acreditamos que podemos ser importantes para alguém, para as amizades, para a família, para a parceria, mas nem sempre basta. Tendemos a crer que precisamos da aprovação de outras pessoas, de círculos maiores e ainda há dias em que é possível duvidar.

Por vezes é um misto de necessidade de atenção, medo da solidão e anseio por reconhecimento; outras vezes é a crença de que precisamos deter um lugar de autoridade para sermos “alguém na vida”. Tudo perante um temor profundo de não sermos ninguém.

Títulos, fama, grana, influência. Segundo tais valores, absorvidos sob uma lógica quase que empresarial, vivemos como se, de alguma forma, fosse possível não ser alguém. Você se torna “alguém” determinado pelo reconhecimento de quem crê nestas camadas de distinção entre “pessoas” e pessoas. Quando cogitamos romper com a lógica hegemônica, nos desencaixamos do todo, tememos a desconexão com os outros e o isolamento.

É como se houvesse algo de vergonhoso nisso. Por isso, acabamos por reforçar seus valores o tempo todo. Nas redes sociais, mostramos vidas perfeitas, teatralizadas, permeadas por uma suposta positividade, uma estética padronizada, ostentação financeira, utilitarismo e pouquíssima demonstração de vulnerabilidade.

Tudo aquilo que nos aproxima, humaniza e promove empatia parece oposto ao lugar de autoridade de “alguém na vida”. É possível que “ser alguém na vida” seja, de alguma maneira, algo semelhante a não ser gente.

Nós chamamos tudo isso de “ser alguém na vida”, mas não deveríamos. Saber quem se é, compreender porque chegou até aqui e decidir para onde se quer caminhar é fundamental para tomarmos o sentido dessa pessoa que queremos ser. Terapia e outras práticas terapêuticas ajudam muito nesse processo, pois promovem práticas de reconhecimento de si e do outro. Chamamos essa incrível habilidade emocional de empatia.

E pra você? O que é “ser alguém na vida”?

Rennan Cantuária é cientista social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

Natal para agradecer e perdoar

Hoje é dia de agradecer e perdoar.

O ano de 2021 trouxe boas novas no enfrentamento à pandemia, mas ainda foi muito duro para todo mundo – especialmente para o Brasil, onde a dificuldade, o desemprego, a intolerância, a doença e a fome parecem ter feito morada.

Se nesse Natal devemos reconhecer o esforço e agradecer, o devemos a todos aqueles que estiveram nas mais diversas linhas de frente, no enfrentamento à doença e as suas consequências: médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares, professores, garis, faxineiros, capelães, atendentes, motoristas, entregadores e todos os trabalhadores que jamais pararam ou puderam parar. Muito obrigado!

Hoje também devemos praticar o perdão. O perdão, apesar daqueles que se aproveitam da fé e da fragilidade do povo para difundir suas ideias intolerantes; apesar daqueles que se aproveitam ou ridicularizam da dor de quem sofre; apesar daqueles que oferecem empréstimos a quem mais precisa e os endividam sem possibilidade de saída; apesar daqueles que exploram a força de trabalho alheia sem garantia de direitos e de dignidade. É dia de perdoar, apesar de quem faz do ódio caminho, do mal banalidade e toma a morte como projeto.

Diferente do que muita gente pensa, o perdão não trata do esquecimento, da reconciliação ou da tolerância. Perdão não trata do outro, tampouco significa esquecer. Perdão é lidar com o problema. Perdão é a reconciliação consigo mesmo, é a reparação para ter tranquilidade e não sofrer quando lembrar. O perdão é seu e de ninguém mais. Perdão é lembrar pra que nunca mais aconteça.

Jesus disse que nós somos o sal da terra e a luz do mundo. Então, que sejamos exemplo de valores outros que não o do status, que não o das coisas materiais. Sejamos exemplo de perdão, na fome e sede por justiça.

Saibamos agradecer e perdoar. Que, enfim, sejamos amor!

Feliz Natal!🎄💫

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessor de planejamento na Fundação Municipal de Saúde de Niterói e educador popular.

A solidão de nós todos (ou o exílio no país dos espelhos)

Um dos conceitos mais desenvolvidos na modernidade é o conceito de solidão. A palavra é relativamente recente em nosso uso cotidiano, cada vez mais presente após a Revolução Industrial. Na literatura, por exemplo, não são poucos os exemplos que confirmam a informação.

Entre as questões que surgem no livro A Resistência, de Julián Fuks, expressa pelo próprio narrador, está o exílio. Seria o exílio herdado dos pais pelos filhos? A pergunta se soma à solidão latente que a todo tempo se desdobra pela narrativa. Deste modo, aspectos de resistência política, da vida pública, se misturam a aspectos mais subjetivos, de esfera pessoal, da vida privada.

Para escrever o romance, Julian se baseou na sua própria história de vida: a memória de seus pais, militantes políticos de esquerda e exilados no Brasil durante a ditadura argentina; a relação com seu irmão adotado ainda no período; os impactos de uma nacionalidade difusa, enquanto sujeito nascido no Brasil durante o exílio dos pais argentinos; os respectivos contextos históricos dos fatos; e demais perspectivas pessoais. Por isso, o autor reivindica sua obra sob o conceito de pós-ficção, pois integra gêneros e dispositivos narrativos que transbordam o romance, mas não têm pleno compromisso com o real.

Outra autora que aborda a solidão, mas por um viés não-ficcional, é Hannah Arendt, que têm sua vida marcada por alguns dos mais trágicos eventos históricos do século XX, como a Segunda Guerra Mundial. Alemã e judia, Arendt exilou-se nos Estados Unidos após fugir do horror nazista. Em seu livro Origens do Totalitarismo, Arendt discorre sobre dois conceitos importantes para a compreensão do poder totalitário: o isolamento e a solidão.

Para Arendt, uma das preocupações fundamentais de todo governo tirânico é provocar o isolamento entre as pessoas, sob a característica da importância, isto é, a incapacidade de agir por não haver com quem agir, uma vez que “a força sempre surge quando os homens trabalham em conjunto”. Neste contexto, você não necessariamente está sozinho, mas se sente incapaz de agir por não poder se associar ou se organizar junto aos demais – entretanto, sua capacidade de sentir, de inventar e de pensar permanecem.

Por outro lado, o poder totalitário institui uma novidade diante da prática tirânica. Esta nova organização é baseada não no isolamento, mas na solidão, na restrição da própria companhia humana, “na experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter”.

Atualmente, somos impelidos a nos isolarmos pela tecnologia, pelas relações de consumo e produção ou mesmo pela visão de mundo divergente. A crise da alteridade, isto é, o conflito na relação do ‘eu’ com o ‘outro’, conforme nos alerta Byung-Chul Han em Agonia do Eros, se subscreve na necessidade de contínua afirmação de si mesmo, tão presente em nosso cotidiano.

Este ‘eu’ não necessariamente é o ‘eu’ da experiência, de afetos e sentidos, mas um ‘eu’ visto e imaginado no espelho, criado por uma narrativa própria de ideal para si. Assim se reafirmam os padrões positivos presentes nos postos de trabalho executivos, na grande mídia e nas redes sociais, a massiva exibição de uma suposta vida privada enquanto vida pública ausente de negatividade e idealizada.

Do mesmo modo, tudo aquilo que contrapõe a normatização positiva, de uma perfeição performada, é resguardada de tal maneira que, ao confrontar-se perante a existência da negatividade, o outro que a carrega é julgado inimigo, como agente de enfrentamento ao padrão hegemônico e, por isso, precisa ser refutado, apagado e destruído. Tal mecanismo é facilmente notado na reafirmação dos padrões de gênero, raça, classe, orientação sexual, religião, ideologia, epistemologia e nos mais diversos e sensíveis aspectos da vida em sociedade.

Os referidos aspectos retiram os véus que recaem sobre o autoritarismo sensível na contemporaneidade, que se retroalimenta na apartação, no isolamento e na solidão não só do outro, mas também de si mesmo. De certa maneira, parece que todos estamos discutindo com o espelho – ou com o que gostaríamos que fosse espelho, enxergando um ideal de imagem a ser refletida e refutando o emissor, o real e a si mesmo.

Bem, nesta perspectiva, ninguém está só. E você, como se sente em exílio no país dos espelhos?

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

O que as plantas me ensinam

Sou um millennial que teve uma infância bem típica do interior: quintal de terra, bichos, plantas e brincadeiras de rua (mas joguei muito vídeo game também, claro). Acho que, por isso, mexer com a terra tem um valor adicional pra mim, pois me reconecta com outros tempos e lugares enquanto me retira da rotina caótica da cidade.

Essa reconexão serve para todos. Em um mundo cada vez mais consumista, quantificado e objetivo, onde tudo precisa ter uma utilidade ou ser lucrativo, sujar as mãos na terra lhe remete a tempos talvez por nós não vividos, mas que carregamos conosco, algo como uma saudosa memória daqueles que vieram antes de nós e que nos legaram os afetos, os sentidos. É a construção de valores sensíveis (inteligíveis) perante a hegemonia dos valores de mercado (monetários).

Mas nem precisamos ir tão longe. As plantas também propiciam outros saberes práticos e observáveis no nosso dia a dia. Recentemente peguei quatro mudas de uma planta que encontrei num balde velho – parece um tipo de jiboia, mas não sei o nome (me avise se souber!). Depois coloquei água em alguns copos de vidro (velhas embalagens de azeitona) e as deixei lá até criarem raízes ou algo parecido. Assim que cresceram, as transferi para um jarro com terra.

Cada uma se desenvolveu de um jeito: a primeira cresceu como uma folha única, maior e mais forte com o passar dos dias; a segunda tem folhas menores, mas germinou vários brotinhos que prometem crescer e se espalhar a partir dela; e a terceira até hoje não fincou raízes. A vida é meio assim mesmo, se desenrola no seu modo e tempo, com suas diferenças, ainda que tenham necessidades ou mesmo experiências parecidas às demais.

Também ganhei uma muda de espada-de-são-jorge de presente pra não andar só na quarentena. Cuidar de uma outra vida, regar, proteger e observar seu desenvolvimento diário é outro baita aprendizado. Em alguns meses, cresceu tanto que tive que trocar de jarro. Suas raízes estavam um pouco frágeis e as folhas já não se sustentavam verticais e imponentes como esperamos dela. Para ajudá-la a se firmar no novo lar, peguei alguns galhos secos do pé de fruta-do-conde e fiz algumas talas, mas a gambiarra seguiu sem grandes resultados. Apesar de toda a dedicação, a frustração faz parte da vida.

Ontem surgiu um lindo brotinho de espada-de-são-jorge. As raízes estão mais firmes e as folhas tomando corpo novamente. Tudo no seu tempo, não no meu.

Surpresas boas também fazem parte da vida, mas são ainda melhores quando frutos da nossa atenção que, segundo John Tarrant, “é a forma mais básica de amor”. Para o escritor Austin Kleon – que dedica um capítulo inteiro de seu livro Siga em frente à importância da atenção, o que me inspirou a escrever esse texto –, para mudar a própria vida é preciso mudar as coisas nas quais se presta atenção.

De fato, se não fosse a atenção sobre as nuances, as diferenças e as mudanças sensíveis entre cada uma das plantas, eu teria aprendido menos sobre mim e sobre a minha vida. A experiência de vida com o outro é fundamental para nos compreendermos individualmente e no mundo, seja este outro uma namorada, um amigo, um bichinho, uma personagem de cinema, a história de um livro ou mesmo uma… planta. O amor – próprio e com o outro – está nas pequenas coisas do cotidiano afinal.

Tudo isso sem esquecer jamais do principal aprendizado: nunca esqueça de se hidratar. Beba água!

 

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

Como ser mais criativo com café com leite

Quando crianças, nos metemos a fazer toda e qualquer coisa. Há um pequeno – mas irrestrito – mundo de descobertas e aprendizados ao qual nos empenhamos a desbravar sem rodeio ou julgamento. A partir de uma intensa curiosidade, agravada pelas visíveis limitações do ser criança, perguntamos, testamos e fazemos de um tudo sem darmos bola para os resultados e as consequências. Tudo é brincadeira.

Não por acaso, Maria Montessori dizia que “brincar é o trabalho da criança”, ofício alvo de grande dedicação e seriedade pelos pequenos. Também Paulo Freire relata como, antes de sua primeira leitura da palavra, foi a leitura do mundo de seu quintal – sentindo o vento, ouvindo os passarinhos, afetando e sendo afetado pelas relações familiares e tomando outras expressões da vida como textos – que lhe cultivou o significado das coisas. Quanto mais experimentava, mais aumentava sua capacidade de perceber.

Ao nos tornarmos adultos, a exigência de experiência na vida profissional toma a palavra em sentido outro. A importância dessa experiência deixa de ser a do aprendizado e dá lugar a valores como performance, resultado e lucro. O objetivo almejado passa a ser o rendimento, enquanto a percepção sensível é retirada da equação. Por vezes, essa distorção se evidencia na contradição das demandas empresariais, que supõem almejar trabalhadores inovadores e criativos, mas não valorizam o ‘criar’ tanto quanto valorizam os seus ‘ativos’.

Entretanto, antes da fase adulta, elaboramos uma curiosa definição que é sintoma inicial desse rompimento: o café com leite. Ainda crianças, quando queremos ampliar as restrições do mundo ao qual nos permitem explorar, começamos a participar de atividades junto a quem tem mais experiência e, consequentemente, mais habilidade. Para que possamos participar do jogo ou da brincadeira dos mais velhos sem o mesmo nível de cobrança e rendimento, somos tachados de café com leite.

O termo café com leite carrega consigo certo sentido pejorativo, pois define aquele indivíduo que não sabe fazer algo que, relativamente e num contexto específico, todo mundo sabe. Por vezes, a expressão é usada como ofensa de fato. Ainda que sua existência reconheça certo valor da experiência como sentido de aprendizado, ou mesmo como prazer ao se viver o momento junto aos demais, seu estigma negativo transforma sua importância em valor de rendimento, pouco a pouco, rumo à proficiência exigida pela vida adulta.

Todavia, a verdade é que o conceito de café com leite desvela o confronto entre duas visões de mundo muito distintas.

De um lado, há a pressão de uma ideologia neoliberal, que domina boa parte da nossa vida contemporânea, calcada no capital e, por isso, em performances e resultados. Nessa perspectiva, a realidade é destituída de valor inteligível, isto é, tudo aquilo que é construído pela experiência – o ser, a beleza, o prazer, a sensibilidade – dá lugar à construção material e objetiva, onde tudo acaba por ter utilidade e/ou valor de mercado, tudo vira mercadoria. Um exemplo prático disso é quando nos definimos enquanto indivíduos pelas imagens que inventamos de nós mesmos, seja pela profissão que adquirimos (por grana), pela mercadoria que consumimos (por status) ou pelo que criamos de nós nas redes sociais (por likes). 

Hoje valorizamos um olhar ilusório, ausente de negatividade, e demasiadamente individualista sobre a experiência, como a selfie do influenciador digital numa viagem paradisíaca que você provavelmente jamais poderá fazer. Tal olhar reproduz a lógica de fetiche, de (pouca e cara) oferta e (muita) demanda, razão própria do mercado. O sentido de performance se apropria das experiências como algo comerciável e, assim, todo dia vendemos a nós mesmos como uma mera mercadoria – mas ele mal imagina que aquela viagem cheia de gente e perrengue em Muriqui seria muito mais marcante que as fotos incríveis em Dubai.

Ok, Muriqui pode ser exagero. Porém, do outro lado, há uma filosofia que remonta o período pré-socrático, de valorização da experiência, do aprendizado e da transformação contínua enquanto sentido. Os gregos da antiguidade viam a vida como seu gênero teatral preferido: a tragédia. Na tragédia, o objetivo não é o fim, do qual jamais temos controle e nada podemos prever, mas sim o processo, a própria experiência.

Por isso, Heráclito disse que ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o indivíduo. Com esse mesmo senso, mais recentemente, Raul Seixas escreveria a canção Metamorfose Ambulante, abraçando o amor e o horror em seus versos. Aqui, a performance e o resultado não são estimados, pois valoriza-se a jornada e a consequente transformação do ser no decorrer do tempo e no mundo.

Nessa perspectiva, acredita-se – sem a necessidade de taxa de juros – que a vida não se dá em laboratório, sob condições normais de temperatura e pressão, e que dificilmente se traduz em 2 + 2 = 4 – sem falar na quase impossibilidade de encontrar dois números inteiros e idênticos na natureza. Assim, é possível refutar a representação do real, a metafísica, como o real factual, pois a realidade é incerta e imperfeita sob a perspectiva dos anseios humanos. O foco excessivo em rendimentos tem como consequência uma visão insensível e deturpada do mundo.

Quem trabalha com criatividade ou reconhece o valor do senso criativo nas soluções necessárias para a vida contemporânea já sabe como uma concentração excessiva na performance e no resultado podem atrapalhar o processo de criação. Para o escritor Austin Kleon, os grandes artistas são capazes de reter o prazer da brincadeira e certo estado lúdico infantil durante a carreira, indicando que o verdadeiro trabalho é o primeiro que exercemos: brincar.

E antes que o leitor me chame de brincante, não almejo aqui fazer um enfrentamento inconsequente contra o trabalho, o profissionalismo, a formação adequada ou a dedicação às diversas áreas de ofício e conhecimento da atualidade. Tudo isso é importante e já domina todas as esferas da vida cotidiana, é evidente. Esse texto é uma provocação àqueles que propagam uma visão distorcida da realidade tendo o lucro como único fim, mas também um indicativo de caminho para aqueles que, com razão, se reconheçam presos à uma lógica de insensibilidade, performance, consumo e exploração.

Uma outra realidade é possível e necessária: volte a brincar no seu quintal.

Quando a vida lhe cobrar uma atitude, não seja um profissional café com leite, alguém que ignore a realidade para pensar na imagem, na grana e no resultado; seja café com leite profissional. Tenha um compromisso firmado com a experiência no mundo e sinta o momento, vivencie novas coisas, aprenda com a experiência, transforme a existência e curta a jornada.

Sim, você ainda pode encarar o ser café com leite como entrar numa disputa sem qualquer valor, é claro. Porém, espero que agora você também possa ver e agir de outras formas possíveis – e, quem sabe, mais prazerosas – no seu dia a dia. Ser café com leite é entrar no jogo e apostar aquilo que não tem preço: o momento junto e a experiência mútua. A vida ao lado de quem se gosta é inestimável. Aproveite!


Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

Ano novo, meta nova

Meu ritual de ano-novo não foge muito do comum. Nem sempre tem festa (ainda menos em 2020), mas a reflexão sobre o ano que passou, os vários planos de mudança pra vida e a lista de metas a serem alcançadas durante a nova volta em torno do Sol são (quase) certos: quero escrever mais, terminar a pesquisa, manter uma rotina de exercícios, arrumar um emprego, passar no mestrado, tocar cuíca, fazer um mochilão, aprender mandarim e outras coisas mais, não necessariamente nessa ordem.

Se tem algo que fiz sobre 2020 foi refletir criticamente, o que é mesmo fundamental tanto diante de seus brutais desafios como para renovar os, sim, possíveis votos de esperança. Porém, esqueci de um item em especial que toda lista de metas precisa: dar atenção às pequenas coisas que lhe atravessam o dia a dia.

Diferente do que tendemos a pensar, não são os objetivos extraordinários que fazem o nosso ano, são nossas pequenas atitudes e experiências que o constroem diariamente e podem transformá-lo em algo incrível. A mudança em nossa vida é consequência da nossa ação no tempo, enquanto o tempo só desempenha a ação de findá-la aos pouquinhos.

Então os dias passam, as demandas seguem, os perrengues atropelam e, quando vê, já está na segunda semana de janeiro com todas as metas mais atrasadas que 13º de professor no Rio de Janeiro – já caprichado no exagero semântico e de ansiedade renovada. Eu nada cumpri da minha lista de afazeres, exceto agora. Hoje eu esqueci o ano e tirei um tempo das missões estritamente produtivas para fazer algo melhor por mim e para as pessoas que espero que curtam comigo. Hoje sim!

Por isso, apesar do descanso pouco, acordei cedo e iniciei minha primeira meta do ano: escrever mais. Como meus textões quase nunca cabem por aqui (esse tá quase no limite), também criei um espaço pra compartilhar minhas coisas com vocês.

E aí, vamos curtir juntos essa nova translação?


Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.