Municipalização do Hospital de Saracuruna e a Baixada Fluminense

A prefeitura de Duque de Caxias anunciou sua intenção de municipalizar o Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, mais conhecido como Hospital de Saracuruna, na Baixada Fluminense. Quais são os impactos disso sobre a Baixada Fluminense?

A prefeitura já havia assumido a cogestão do hospital em julho de 2020, em meio à pandemia. Depois, o hospital ficou sob nova direção privada, apesar das diversas denúncias sobre o processo para sua escolha. Diante da precarização dos serviços e dos atrasos sobre salários e benefícios dos profissionais, desde outubro, uma outra organização social (OS) administra o hospital.

Entretanto, nesta quinta-feira, dia 10, o Governo do Estado recuou da decisão. Enquanto o governador Cláudio Castro (PL) diz ter firmado apenas um termo de compromisso para melhoria do atendimento no hospital, o prefeito Washington Reis (MDB) disse que a cidade tem plena capacidade de administrar o Hospital de Saracuruna, ao apresentar um protocolo de intenções favorável à municipalização.

Dito isto, a proposta de municipalização pode parecer boa, não é mesmo? A própria descentralização da gestão e das políticas de saúde no país – realizada entre a União, os estados e os municípios de forma integrada – é um dos princípios organizativos do Sistema Único de Saúde – SUS. Entretanto, precisamos analisar os dados mais a fundo.

Dados do Ministério da Saúde apontam que:

– Enquanto a cobertura de atenção básica no Rio alcança 58,94% da população, em Caxias ela alcança 45,41%;

– Já a cobertura de equipes da família no Rio é de 47,55%, enquanto em Duque de Caxias é de 29,26%;

– Se 33% das gestantes têm consulta pré-natal no Rio, Caxias atende apenas 5%.

Em nota, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (COSEMS/RJ) alerta para o perfil regional do Hospital de Saracuruna, inclusive de caráter estadual para alguns procedimentos. A unidade é a principal referência para casos de trauma e alta complexidade na região.

“Vale ressaltar que a unidade é a principal referência para casos de trauma da Baixada Fluminense, e que, 50% dos pacientes críticos (vaga zero) tem nessa unidade sua referência, além de estar localizada numa região que possui a menor relação leito/habitante de todo Estado do Rio de Janeiro (0,6/1000 habitante)”, afirma Rodrigo Oliveira, presidente do Cosems-RJ e secretário municipal de saúde de Niterói. 

A municipalização também é contestada pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público, pela Assembleia Legislativa (ALERJ) e pelas próprias secretarias municipais de saúde dos municípios da Baixada Fluminense.

Por isso, para estabelecer critérios efetivos de garantia de acesso à saúde, qualquer iniciativa desse tipo não pode ser tomada sem um amplo debate entre os gestores municipais e estadual. Esse é um debate que deve ser municipalizado, mas travado, no mínimo, por toda a Região Metropolitana.

Vale lembrarmos os fundamentos doutrinários e organizativos do SUS: a universalização, a equidade, a integralidade, a descentralização e a participação popular.

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessor de planejamento na Fundação Municipal de Saúde de Niterói e educador popular.