O que as plantas me ensinam

Sou um millennial que teve uma infância bem típica do interior: quintal de terra, bichos, plantas e brincadeiras de rua (mas joguei muito vídeo game também, claro). Acho que, por isso, mexer com a terra tem um valor adicional pra mim, pois me reconecta com outros tempos e lugares enquanto me retira da rotina caótica da cidade.

Essa reconexão serve para todos. Em um mundo cada vez mais consumista, quantificado e objetivo, onde tudo precisa ter uma utilidade ou ser lucrativo, sujar as mãos na terra lhe remete a tempos talvez por nós não vividos, mas que carregamos conosco, algo como uma saudosa memória daqueles que vieram antes de nós e que nos legaram os afetos, os sentidos. É a construção de valores sensíveis (inteligíveis) perante a hegemonia dos valores de mercado (monetários).

Mas nem precisamos ir tão longe. As plantas também propiciam outros saberes práticos e observáveis no nosso dia a dia. Recentemente peguei quatro mudas de uma planta que encontrei num balde velho – parece um tipo de jiboia, mas não sei o nome (me avise se souber!). Depois coloquei água em alguns copos de vidro (velhas embalagens de azeitona) e as deixei lá até criarem raízes ou algo parecido. Assim que cresceram, as transferi para um jarro com terra.

Cada uma se desenvolveu de um jeito: a primeira cresceu como uma folha única, maior e mais forte com o passar dos dias; a segunda tem folhas menores, mas germinou vários brotinhos que prometem crescer e se espalhar a partir dela; e a terceira até hoje não fincou raízes. A vida é meio assim mesmo, se desenrola no seu modo e tempo, com suas diferenças, ainda que tenham necessidades ou mesmo experiências parecidas às demais.

Também ganhei uma muda de espada-de-são-jorge de presente pra não andar só na quarentena. Cuidar de uma outra vida, regar, proteger e observar seu desenvolvimento diário é outro baita aprendizado. Em alguns meses, cresceu tanto que tive que trocar de jarro. Suas raízes estavam um pouco frágeis e as folhas já não se sustentavam verticais e imponentes como esperamos dela. Para ajudá-la a se firmar no novo lar, peguei alguns galhos secos do pé de fruta-do-conde e fiz algumas talas, mas a gambiarra seguiu sem grandes resultados. Apesar de toda a dedicação, a frustração faz parte da vida.

Ontem surgiu um lindo brotinho de espada-de-são-jorge. As raízes estão mais firmes e as folhas tomando corpo novamente. Tudo no seu tempo, não no meu.

Surpresas boas também fazem parte da vida, mas são ainda melhores quando frutos da nossa atenção que, segundo John Tarrant, “é a forma mais básica de amor”. Para o escritor Austin Kleon – que dedica um capítulo inteiro de seu livro Siga em frente à importância da atenção, o que me inspirou a escrever esse texto –, para mudar a própria vida é preciso mudar as coisas nas quais se presta atenção.

De fato, se não fosse a atenção sobre as nuances, as diferenças e as mudanças sensíveis entre cada uma das plantas, eu teria aprendido menos sobre mim e sobre a minha vida. A experiência de vida com o outro é fundamental para nos compreendermos individualmente e no mundo, seja este outro uma namorada, um amigo, um bichinho, uma personagem de cinema, a história de um livro ou mesmo uma… planta. O amor – próprio e com o outro – está nas pequenas coisas do cotidiano afinal.

Tudo isso sem esquecer jamais do principal aprendizado: nunca esqueça de se hidratar. Beba água!

 

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.