O poder dos bancos e o crédito consignado

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi (PDT), articulou a mudança do teto de juros cobrados aos beneficiários do INSS. Reivindicada por aposentados, a proposta foi aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social e reduziu os juros de 2,14% para 1,70% por mês. Isso significa que os empréstimos consignados, aqueles descontados diretamente na folha de pagamento ou no benefício (logo, créditos muito seguros para o banco credor), passariam a ter juros aproximadamente 20% mais baixos.

Surpreendentemente, os 0,44% a menos numa das transações de crédito mais seguras do mercado desencadearam reações diversas e instalou uma verdadeira confusão no governo e neste verdadeiro balcão de empréstimo consignado do Brasil. Os bancos, tanto os privados quanto os públicos, imediatamente retiraram a oferta de crédito consignado de seus serviços; alguns setores do governo Lula relataram certo “ruído” na comunicação entre os ministérios e outros criticaram o ministro Carlos Lupi pela ação solitária; e até os vendedores de crédito consignado esbravejaram contra o ministro, insatisfeitos com a consequente retirada do produto do mercado – uma vez que diversas empresas vendem crédito consignado e recebem um percentual estabelecido pelos bancos como comissão.

Essa confusão ilustra bem a complexidade das disputas que se dão tanto internamente no atual governo quanto na economia brasileira. Os bancos públicos tiveram papel fundamental nos dois primeiros governos de Lula, seja para interferência no mercado com o objetivo de reduzir as taxas de serviços e de juros entre os bancos, seja para a garantia de direitos sociais por meio de políticas públicas, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Entretanto, as evidentes disputas entre as políticas públicas de cunho social e as contraditórias autonomias do Banco Central e dos bancos públicos, que interferem diretamente na aplicabilidade e efetividade de políticas de cunho econômico, colocam o terceiro Governo Lula sob outra perspectiva.

Como se não fosse o bastante, mesmo descontados os custos operacionais dos bancos públicos brasileiros, seus faturamentos operam na casa das dezenas de bilhões de reais. Para se ter uma ideia, enquanto a Caixa Econômica Federal conseguiu um lucro líquido de pelo menos R$ 7,6 bilhões (ainda não anunciou o resultado do quarto trimestre do ano passado), o Banco do Brasil obteve o lucro líquido recorde de R$ 31,8 bilhões em 2022. Esta receita acaba dividida entre seus acionistas, mas poderia ser estrategicamente revertida em investimentos nos seus próprios serviços, a fim de auxiliar seus mais de 200 milhões de clientes no enfrentamento à crise econômica e na retomada do desenvolvimento do país.

Porém, tudo isso (inclusive o alto lucro) decorre de um problema ainda mais grave, que já se localiza no debate nacional desde o início deste novo governo: a urgente necessidade de redução da taxa básica de juros do país, atualmente em alarmantes 13,75%, o que afasta investimentos e endivida as famílias brasileiras. Para que o país retome seu crescimento e as famílias possam respirar financeiramente, é evidente que o Brasil precisa abandonar a taxa mais alta do planeta.

Como podemos ver, os dados apenas reafirmam a importância dos bancos públicos no tensionamento do mercado para a garantia de direitos sociais após tantos anos de crise. Neste caso, juros mais baixos significam maior acesso ao crédito (empréstimo) para milhões de pessoas. Consequentemente, é também oportunidade de empreendimentos, investimentos, mais consumo e pagamentos regulares em um país onde cerca de 80% das famílias já se encontram endividadas. Por isso mesmo, a medida precisa estar acompanhada de iniciativas de facilitação de pagamento de débitos e de desendividamento da população, como o Programa Desenrola, também proposto pelo PDT e já anunciado pelo Ministério da Fazenda, que deve beneficiar pelo menos 37 milhões de brasileiros endividados.

Nos resta somar forças para que os esforços do governo sejam aqueles de quem acredita na potência dos trabalhadores brasileiros, iniciativas que podem e devem apontar melhorias com vistas à qualidade de vida, à justiça social e, fundamentalmente, à transformação da vida de quem mais precisa.

Sugestão de leitura:

DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: alternativas de gestão social. Petrópolis: Vozes, 2012. Link para adquirir: https://amzn.to/3TmNKKp

TAVARES, Maria da Conceição. Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 2019. Link para adquirir: https://amzn.to/3JMFeku

VAROUFAKIS, Yanis. Conversando sobre economia com a minha filha. São Paulo: Planeta, 2015. Link para adquirir: https://amzn.to/3JuvU3m

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro, educador popular e diretor do documentário Nilópolis ocupa a universidade: a experiência acadêmica nilopolitana.