Empatia

Sucesso?

Como bem diz Aílton Krenak, “a vida não é útil”. Vida é viver a jornada, é ser no mundo com tudo o que há no mundo. Lembrar que não estamos sós nesse desafio de viver é o primeiro passo para nos apropriarmos da empatia. Devemos adotar a empatia como um olhar amoroso para consigo e para o outro, como uma ferramenta de enfrentamento às diversas crises do nosso tempo.

Ora, nada disso se trata de ser “alguém” ou não, de ser útil ou não. Você não deixa de ser importante por não se encaixar sob determinada lógica ou valor, você não se torna descartável por não se sentir pertencente a um lugar, uma prática ou um grupo. Esses são valores hegemônicos que o mercado, a imprensa, as redes sociais e outras instituições insistem em reforçar; e que nós teimamos em reproduzir.

É importante compreendermos que os ditos valores do sucesso, do “ser alguém na vida”, são comumente pautados por comparação, competição, produtividade, consumo, preço  e, fundamentalmente, pelo lucro, características próprias das relações de produção e consumo, isto é, do capitalismo.

Com o avanço do neoliberalismo, nos distanciamos de valores sensíveis e consolidamos valores de mercado na nossa sociedade, processo muito bem representado nas recentes transformações das relações de trabalho, na qual deixamos de ser pessoas físicas para nos tornarmos pessoas jurídicas. Quando deixamos de ser pessoas trabalhadoras para nos tornarmos empresas, tomamos como referência e nos apropriamos dos valores empresariais e de mercado.

Os valores neoliberais se opõem à prática sensível de empatia e colocam em crise o próprio processo de alteridade. Num mundo cada vez mais atravessado pelo narcisismo e pela solidão, a alienação é agravada e nós já não conseguimos reconhecer algozes ou culpados. Já não é preciso que alguém fiscalize nossas inadequações e nos puna. Patrões de nós mesmos, frente ao espelho, somos nós os responsáveis por isso.

Aqui se inscreve a atualidade das palavras de Rosa Luxemburgo, que defendeu a construção de “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Construir uma visão crítica desta realidade, constituída pelo reconhecimento de outros valores e outras concepções de mundo possíveis, é, por si só, uma prática de empatia, alteridade e amor.

Rennan Cantuária é cientista social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.

Ser alguém na vida?

Nós costumamos esquecer, mas todo mundo é importante. São as medidas dessa importância que por vezes são confusas. Os valores que constituem essa mensura subjetiva misturam significados, sentidos e afetos muito diferentes.

Nós acreditamos que podemos ser importantes para alguém, para as amizades, para a família, para a parceria, mas nem sempre basta. Tendemos a crer que precisamos da aprovação de outras pessoas, de círculos maiores e ainda há dias em que é possível duvidar.

Por vezes é um misto de necessidade de atenção, medo da solidão e anseio por reconhecimento; outras vezes é a crença de que precisamos deter um lugar de autoridade para sermos “alguém na vida”. Tudo perante um temor profundo de não sermos ninguém.

Títulos, fama, grana, influência. Segundo tais valores, absorvidos sob uma lógica quase que empresarial, vivemos como se, de alguma forma, fosse possível não ser alguém. Você se torna “alguém” determinado pelo reconhecimento de quem crê nestas camadas de distinção entre “pessoas” e pessoas. Quando cogitamos romper com a lógica hegemônica, nos desencaixamos do todo, tememos a desconexão com os outros e o isolamento.

É como se houvesse algo de vergonhoso nisso. Por isso, acabamos por reforçar seus valores o tempo todo. Nas redes sociais, mostramos vidas perfeitas, teatralizadas, permeadas por uma suposta positividade, uma estética padronizada, ostentação financeira, utilitarismo e pouquíssima demonstração de vulnerabilidade.

Tudo aquilo que nos aproxima, humaniza e promove empatia parece oposto ao lugar de autoridade de “alguém na vida”. É possível que “ser alguém na vida” seja, de alguma maneira, algo semelhante a não ser gente.

Nós chamamos tudo isso de “ser alguém na vida”, mas não deveríamos. Saber quem se é, compreender porque chegou até aqui e decidir para onde se quer caminhar é fundamental para tomarmos o sentido dessa pessoa que queremos ser. Terapia e outras práticas terapêuticas ajudam muito nesse processo, pois promovem práticas de reconhecimento de si e do outro. Chamamos essa incrível habilidade emocional de empatia.

E pra você? O que é “ser alguém na vida”?

Rennan Cantuária é cientista social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.