Política

Natal sem água na Baixada e a privatização da CEDAE

Na Baixada Fluminense, muitas casas tiveram seu Natal atravessado por um antigo problema da região: a falta d’água. Não bastasse a penúria que recaiu sobre a ceia das famílias, moradores de Nova Iguaçu, Mesquita, Japeri e imediações também ficaram sem água em plena noite de Natal.

Segundo a concessionária Águas do Rio, um reparo de emergência foi necessário, causando o transtorno. Na antevéspera, a chuva também causou interrupção.

– Como é que eu vou fazer as coisas de Natal? Alguém tem que fazer alguma coisa – disse a moradora iguaçuana Flavia Amaral.

Alguém fez. Em agosto, o governo Cláudio Castro privatizou por regime de concessão a distribuição de água e a coleta de esgoto de boa parte da região metropolitana do Rio. Exceto na Zona Oeste que, devido ao conflito territorial com milícias, a concessão não atraiu compradores.

Assim, enquanto a CEDAE se mantém responsável por captar e tratar a água, a nova concessionária Águas do Rio – uma empresa da Aegea Saneamento – fica responsável pelos demais serviços. O novo consórcio possui como sócios a Equipav, o GIC (Fundo Soberano de Cingapura) e a Itaúsa.

A medida segue na contramão de diversas cidades ao redor do mundo que tiveram o tratamento e a distribuição de água privatizados nos últimos anos e, hoje, retomam o controle através da reestatização dos respectivos equipamentos e serviços públicos.

Paris, Berlim, Buenos Aires, La Paz e outras centenas de cidades passaram a reconhecer a água como direito e a enfrentar a precarização do serviço ao modificar a lógica que valoriza o interesse privado (lucro) em detrimento do interesse público sobre itens essenciais à vida.

Se a água enquanto direito não deve ser tratada como uma simples commodity, como mera mercadoria suscetível ao lucro e aos interesses privados, as mudanças ambientais agravam esse cenário. Hoje, a água se mostra como recurso estratégico para o futuro e a vida do planeta.

Até então, a CEDAE fora uma empresa pública lucrativa para o governo do estado, mas sofreu com anos de precarização e falta de investimentos. A experiência Brasil e mundo afora, porém, mostra que a privatização também não garantiu saneamento básico adequado para as pessoas.

Em 2022, nos resta escolher o melhor governo para a necessária reconstrução do estado do Rio de Janeiro, tendo em vista uma política aliada ao resgate de valores inegociáveis: a defesa do meio ambiente e a garantia de direitos. O lucro não pode estar acima da vida.

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessor de planejamento na Fundação Municipal de Saúde de Niterói e educador popular.

Contra o discurso de Bolsonaro, a prática de Brizola

Essa é a verdade sobre o suposto discurso de defensor da família e dos bons costumes de Bolsonaro. Hoje exalta o uso de armas por crianças e tenta impedir a vacinação dos pequenos (já autorizada pela ANVISA).

Em oposição a isso, temos o exemplo prático de Leonel Brizola. Num ato político com a Associação de Moradores do Amarelinho, conjunto habitacional em Coelho Neto, o velho Briza pulou a fogueira feita com as armas de brinquedo das crianças da comunidade.

Por falar nisso, o Amarelinho fica pertinho do CIEP Dr. Adão Pereira Nunes, em Irajá. Mais do que discurso, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro transformaram a história da educação ao construir mais de 500 escolas voltadas para a educação integral, isto é, voltada para a formação e o cuidado do aluno em todas as áreas e dimensões.

Não acredita? Pois os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), também conhecidos como “brizolões”, tinham aula das 8 às 17 horas, oferecendo o currículo regular de ensino, atividades culturais, estudos dirigidos, educação física, ginásio, biblioteca, refeições completas (café, almoço, lanche e janta), atendimento médico e odontológico, além de uma atenção especial às crianças carentes que viviam nas ruas.

E Bolsonaro, o que oferece para nossas crianças?

Contra o discurso de Bolsonaro, a prática de Brizola!

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessor de planejamento na Fundação Municipal de Saúde de Niterói e educador popular.

Municipalização do Hospital de Saracuruna e a Baixada Fluminense

A prefeitura de Duque de Caxias anunciou sua intenção de municipalizar o Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, mais conhecido como Hospital de Saracuruna, na Baixada Fluminense. Quais são os impactos disso sobre a Baixada Fluminense?

A prefeitura já havia assumido a cogestão do hospital em julho de 2020, em meio à pandemia. Depois, o hospital ficou sob nova direção privada, apesar das diversas denúncias sobre o processo para sua escolha. Diante da precarização dos serviços e dos atrasos sobre salários e benefícios dos profissionais, desde outubro, uma outra organização social (OS) administra o hospital.

Entretanto, nesta quinta-feira, dia 10, o Governo do Estado recuou da decisão. Enquanto o governador Cláudio Castro (PL) diz ter firmado apenas um termo de compromisso para melhoria do atendimento no hospital, o prefeito Washington Reis (MDB) disse que a cidade tem plena capacidade de administrar o Hospital de Saracuruna, ao apresentar um protocolo de intenções favorável à municipalização.

Dito isto, a proposta de municipalização pode parecer boa, não é mesmo? A própria descentralização da gestão e das políticas de saúde no país – realizada entre a União, os estados e os municípios de forma integrada – é um dos princípios organizativos do Sistema Único de Saúde – SUS. Entretanto, precisamos analisar os dados mais a fundo.

Dados do Ministério da Saúde apontam que:

– Enquanto a cobertura de atenção básica no Rio alcança 58,94% da população, em Caxias ela alcança 45,41%;

– Já a cobertura de equipes da família no Rio é de 47,55%, enquanto em Duque de Caxias é de 29,26%;

– Se 33% das gestantes têm consulta pré-natal no Rio, Caxias atende apenas 5%.

Em nota, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (COSEMS/RJ) alerta para o perfil regional do Hospital de Saracuruna, inclusive de caráter estadual para alguns procedimentos. A unidade é a principal referência para casos de trauma e alta complexidade na região.

“Vale ressaltar que a unidade é a principal referência para casos de trauma da Baixada Fluminense, e que, 50% dos pacientes críticos (vaga zero) tem nessa unidade sua referência, além de estar localizada numa região que possui a menor relação leito/habitante de todo Estado do Rio de Janeiro (0,6/1000 habitante)”, afirma Rodrigo Oliveira, presidente do Cosems-RJ e secretário municipal de saúde de Niterói. 

A municipalização também é contestada pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público, pela Assembleia Legislativa (ALERJ) e pelas próprias secretarias municipais de saúde dos municípios da Baixada Fluminense.

Por isso, para estabelecer critérios efetivos de garantia de acesso à saúde, qualquer iniciativa desse tipo não pode ser tomada sem um amplo debate entre os gestores municipais e estadual. Esse é um debate que deve ser municipalizado, mas travado, no mínimo, por toda a Região Metropolitana.

Vale lembrarmos os fundamentos doutrinários e organizativos do SUS: a universalização, a equidade, a integralidade, a descentralização e a participação popular.

Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, assessor de planejamento na Fundação Municipal de Saúde de Niterói e educador popular.

Um Brasil de mortos-vivos

Se você não se arrependeu agora, se você continua a negar a verdade e o projeto de morte em curso no Brasil, esteja consciente de que não lhe há caminho dentro da humanidade. Você morreu em vida e, infelizmente, ainda convivemos com você.

Lidar com a sua putrefação é muito difícil. Em Manaus, são 60 bebês sem oxigênio, além dos 200 mil brasileiros mortos, enquanto Bolsonaro e Pazuello menosprezam a pandemia, criticam o distanciamento social, ofendem nossos mortos, negam a vacina, empurram cloroquina, outras mentiras e insanidades.

Você que as reproduz irresponsavelmente não é criança – uma daquelas crianças jamais o faria. Você vaga como quem morreu em espírito, enquanto o corpo dissemina a voz e o cheiro da morte por aí. E as pessoas à sua volta vão morrendo em corpo ou em espírito de fato. Você também tem culpa.

No fim das contas, não se trata de incompetência ou ignorância, mas sim o extremo oposto: é o assassinato eficaz e o genocídio eficiente de alguém cuja especialidade é matar. Por isso, o impeachment é pouco, Bolsonaro precisa ser responsabilizado por seus crimes contra a humanidade. Este entra para a história como aquilo que o mundo sempre temerá, como aquilo que jamais pretenderá repetir.

Charge da Larte Coutinho (@LarteCoutinho1)

Nós, brasileiros – hoje alvos de vergonha e traumas para muitas décadas por vir –, seremos eternamente questionados pelo mundo sobre como, como permitimos que Bolsonaro e seus ceifeiros comandassem nosso país após tantas atrocidades. Será passado, mas não tanto, como sempre.

Você, tão logo que possa, vai dizer que nunca apoiou, mas que nada disso existiu, que não foi tudo isso que os textos relatam, que só morreu quem quis ou mereceu. Já vimos essas coisas num passado não tão distante, perante outras covas comuns com centenas de mortos.

Apesar de todos os esforços e restrições, perdi dois familiares para esta doença maldita. Foram dois entre os duzentos mil mortos no Brasil, dois entre os dois milhões de vidas perdidas no mundo ou ainda 0.0001% de todos os corpos amontoados em decorrência do Covid-19. Para além do luto que dói, a inconsequência é o que mais ofende, o negacionismo é o que mais agride, o sorriso irônico é o que mais revolta.

Talvez todo morto-vivo devesse ocupar aquela cadeira em Haia também, mas sei que isso não será possível. Você terá o direito ao esquecimento e até ao perdão do tempo. Mas eu não perdoo e tampouco esqueço. Pra mim sempre será tudo isso, muito pior do que está escrito toda vez que tocar as cicatrizes.

Torço para que as mortes cessem o quanto antes, é evidente. Contudo, torço pela vida tanto quanto almejo assistir a derrocada de cada um, nome por nome, troço por troço, para que possamos seguir perante os escombros que deixam, quem sabe esperançosos de que ainda há algum senso de justiça no mundo. O encanto, não sei.

Para os mortos-vivos que praticam orgulhosos todas as suas atrocidades, já não creio  na ressurreição depois de tudo. Quem sabe a memória possa superar tamanha indignação, quem sabe exista o perdão que já não tenho e que não merecem? Não aqui, não de mim. Uma parte minha igualmente morreu.

Hoje eu só quero que tudo passe e que vocês também.


Rennan Cantuária é sociólogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduando em Estudos Linguísticos e Literários pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e professor.